A Cigana (O recado partido v.1)

28.2.2005

A cigana tomou minha mão e disse:

– Pessoas de olhos claros não são confiáveis.

Encarei-a por trás de minha íris verde. “Desculpe?”

– Esqueça a mulher de olhos claros – ela insistiu.

Danada. Eu, todo constrangimento. Deixo sua tenda e entro no primeiro bar que encontro. O garçom oferece: “Uma loira gelada para o cavalheiro?”

– Nunca dei sorte com as loiras – eu confessara à cigana, depois de ouvir o que ela tinha a me dizer.

Nesse momento me vinha à cabeça a última mulher séria que passou na minha vida: cabelos pretos, olhos azuis. Um ponto a favor, um ponto contra. Mas no fim preponderou o carma dos olhos claros.

Outra vez foi uma loira que me formulou, naquele momento post coitum, ainda sob as luz vacilante do abajur:

– Te amo e não sei se amo a ti ou ao meu amor – ela tascou, os cabelos jogados sobre meu peito, eu ainda retomando o fôlego.

Resignei-me a tentar decifrar o que diziam seus olhos amendoados – claros com certeza – e a me perguntar se citava Derrida ou Cauby Peixoto. E renunciei, no dia seguinte, ao olhar enigmático da minha Gioconda entre lençóis, incrédulo quanto à clareza verbal daquele processo amoroso.


Mais: O recado partido (A cigana v.2)