Um mojito e olhos verdes

05/06/2005

O rum, quando toca minha língua, me recorda os canaviais de Cuba.

Retenho essa memória alguns segundos no céu da boca, depois a deixo escorrer suavemente pela garganta, sorvo goles de melaço e hortelã e ainda me sobra um rastro doce, ou mais que isso, um rastro espesso, transbordante. Os anos que aqueles velhos barris do Caribe passaram afinando a garapa, até sintetizar este tesouro multissensorial, dourado, o importantíssimo toque de hortelã no final.

Um mojito e seus olhos verdes.

Se eu fosse pintor, capturaria numa tela a óleo este momento e o título seria precisamente assim, “Mojito e olhos verdes”, mas que devaneio, na verdade eu nunca alcançaria a simbolizar tanta coisa junta. À falta de recursos eu apelaria para a fugacidade das metonímias, a parte pelo todo, no fundo tudo se resume a este mojito e aos seus olhos verdes.

Você baixa os olhos para os meus pés em busca de seguir meus passos, docemente enlaço sua cintura e segredo, não precisamos de coreografia para dançar este bolero tão lento, amor.

“Dos gardenias para ti...”

No salão passeamos como no meu quadro metonímico, pinceladas cheias circundadas de outras mais longilíneas, sugestão apenas. Um pedaço rasgado de um bilhete de amor que o vento não conseguisse levar embora.

Mas estou concentrado em explorar outras coisas, cafunés enquanto dançamos. Olho bem dentro dos seus olhos e quebro para o lado, procuro nos cantos do seu rosto mais doçura.

O canto é por excelência o espaço dos amantes, basta ver nos cantinhos do mapa-mundi as ilhotas do Pacífico que são perfeitas para as luas-de-mel. Estou certo de que ali, neste momento, algum casal está jantando em alguma mesinha do canto, ou trocando olhares líquidos num bangalozinho na pontinha de um hotel afastado, dormindo de conchinha pelos cantos de alguma cama.

Porém neste salão somos centrais, solares quase, radiamos e iluminamos o centro da fotografia que vigiarei com o rabo do olho preso à escrivaninha onde somos estáticos, seu sorriso aberto para a câmera e meus olhos semicerrados dirigidos a alguma dimensão fora de quadro, ou deste mundo, o sorriso interrompido para uma tragada no velho Montecristo.

Esse seu cavanhaque está quase uma barba, e com este charuto na boca até parece Camilo Cinfuegos, você dirá, astuciosa, não liga a mínima para as minhas convicções políticas mas sabe me fazer fervilhar como um adolescente nos anos 60. Sabe que endurecer sem perder a ternura é um carma, ou uma mentira, endurecer era discurso de época, a ternura sempre esteve aí.

Nossa música não tem nada de revolução, sabe a amores e nada mais.

Entre pernas e metonímias passamos as horas, resta-me o sabor de açúcar e hortelã e a lembrança de uns olhos verdes que devoravam como um ciclone tropical. Olhos cujo brilho nem a cerração ofuscaria, muito menos a penumbra cristalina de uma noite enluarada como a madrugada caribenha, miradas tiernas y sonidos corpóreos, deseos jadeantes y palabras calientes, cochichos em castelhano na maciez do travesseiro.

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