QUINZE LINHAS

16/02/2006

Diante de uma boa estória, os olhos do meu camarada Lira Neto cintilam por detrás da tulipa de chope. E entre risadas ele se anima:

– Faça disto uma crônica de quinze linhas!

Ao computador, escrevo e conto: uma, duas, três, quatro linhas – e nem sequer introduzi o tema da crônica.

Estamos mal, eu e o leitor por certo. Este, tendo de desperdiçar seus olhos e neurônios com uma sopa insossa de idéias; eu, inoperante ao ver nestas linhas o reflexo da minha falta de concisão e, portanto, de talento.

Em que momento me ferrei e deixei gorar aquele potencial que todos trazemos da infância?, investigo. Meus olhos percorrem as prateleiras e se detêm num livro de Marina Colasanti, cujo estilo eu me desdobrava para imitar, aí pelos meus quinze anos. Contos de amor rasgados, não haveria melhor nome para sua obra prima: tanta singeleza, todo um universo contido em uns microcontos curtíssimos, um par de parágrafos, ou nem isto. Uma frase ou duas e pronto, breves como bilhetes de amor lançados ao mar, como sugere o título, mas a esta altura o leitor já tinha em si um oceano.

Colasanti foi meu prelúdio para outros estilos ainda mais sóbrios, o de Moreira Campos, por exemplo. O velho mestre dispensava até os verbos, ficou marcado pelas frases substantivadas que valiam por um parágrafo. Deixava-me mudo com umas construções que faltavam explodir de tão condensadas, com palavras sufocantes, quase, mas por outro lado tão pictóricas. Palavras exatas.

Áridas? Limpas, prefiro. Neste quesito ninguém melhor do que Graciliano Ramos, para quem escrever era cumprir uma pena. Qual um condenado, o velho Graça passava horas escrevendo seus textos e dias cortando-os, ao ponto de restarem apenas os trechos inalienáveis, a espinha dorsal.

Confesso, com meu olhar nebuloso e minha mania de digressões, sou um péssimo seguidor dos mestres. Vejo a imortalidade das 130 páginas de São Bernardo e das 80 d’A Metamorfose, de Kafka, e tenho pena por esta laia de prosadores que ocupamos o tempo e a paciência do leitor com livros de dois, três, quatro dedos de espessura.

Inútil. Porque, para o leitor, o que sobrevive ao tempo não passa de uma faísca da obra original. A impressão do olhar oblíquo e dissimulado de uma Capitu, a cena de uns cães latindo e vendo coisas à beira de uma piscina. E, das boas obras, a sensação de leveza.

Inexplicável leveza como a de banhar-se num rio de águas cristalinas, em cujo fundo se vejam as pedras que calcam o trajeto. Texto fluido como uma corrente de água mineral, que passeia pelo corpo e refresca a alma, e depois resvala pelos dedos das mãos em minúsculas gotas.