AMOR, 60 DIAS

Para Antonio

03/08/2005

Nessa hora, quero ver o cabra-macho que não se treme.

O dia mal amanheceu e aqui estou, de pé em frente ao aparelho de fax. A ladainha da impressora que desenha na folha soa como a contagem regressiva dos programas de televisão, ou como uma bomba, a bendita ampulhetinha que o bandido sempre aciona para o mocinho antes de explodir Gothan City.

Eu, roendo as unhas.

Nem rastro daquele sujeito confiante que entrara sorridente no laboratório, dois dias antes, preciso fazer um exame, eu dissera à recepcionista.

Na salinha de coleta, ofereci minha veia para a enfermeira, que me tratou casualmente, como se numa colônia de férias. Mas antes de me deixar partir ela lacrou o tubo de ensaio com a amostra de sangue, estendeu-me um formulário onde um “X” aguardava minha assinatura – se der resultado indefinido temos de chamá-lo para um novo teste, tem problema?

Novo teste?

Não é nada, há que se estar preparado para qualquer hipótese, apenas isso. Ah, claro, apenas hipótese, entendo.

Mesmo assim, quero ver quem controla o diabo da expectativa. Como diz um chegado, solenemente, “o momento do pânico trimestral”.

Ou nem tão freqüentemente. Pelo contrário, a nega me surpreendera bem naquele momento em que o homem está mais vulnerável, bicho sem forças, desfalecido. Do canto da cama ela tragou o cigarro e me lascou a pergunta, quando foi mesmo seu último exame?

Hã? Desculpe, do que é que você está falando?

Ela, impassível – mas você nunca fez o exame? Do meio dos peitos dela, uma gotinha de suor escorria e formava piscininha no umbigo.

Ah, admirável mundo novo, poligâmico. A ladainha deste fax é a trilha sonora de um desfile em que revejo cada rosto, cada nome, beldades, dragões, lolitas, experimentadas. Nem tantas, nem tão diversas, mas será que Mariazinha...

Apesar de tudo sinto certo orgulho, por assim dizer, geracional. Cada tempo tem lá suas estranhezas, esta é particular do mundo em que vivo. Isto e mais os acordos pré-nupciais, hoje ninguém mais se enrosca sem um pé atrás.

Mas ainda bem, a transmissão é curta, não há tempo para minhocagens baratas. A folha de papel térmico está cortada na bandeja do fax, aguardando, de costas, que eu a desvire.

“Amostra negativa para HIV 1 + 2”.

Ora bolas, simples assim? Mas que raio de exame, mal dá para uma crônica.

Pelo menos agora recebi sinal verde para mais alguns meses, posso desdenhar, me meter a soberboso, caradura. Passo a mão no telefone e ouço do outro lado a voz da nega, sedosa, creme de leite. Está em casa?

Fazendo nada, ela atiça.

Tenho uma surpresa.

De lá ela me sorri, a danada, quase ronrona. Meu loirinho gostoso. Te espero.

Encontro-a meio vestida, meio despida, refrescando as pernas nos tacos de madeira da sala. Suo, faz um calor de propaganda de cerveja. Bafos de vapor na janela do quarto e piscininha sob o copo d’água esquecido na mesa de cabeceira. Em meu peito, formam-se rios negros que desembocam nos solimões dos peitos dela, juntos enchemos um Amazonas que embebe a cama, umedece o ar.

Dispensa-me das alianças, querida, a liturgia de outros tempos menos pragmáticos. Em contrapartida te poupo os votos de fidelidade. A caução do amor contemporâneo é a assinatura de um médico e um laboratório de renome no mercado. Amor precavido, de demonstrações científicas e ainda por cima curtas, sujeitas à inspeção anual do alvará de funcionamento e à infalível garantia, “válido por 60 dias a partir da data de expedição”.