A DIFÍCIL ARTE DE SER FÁCIL

17/05/2005

Descobri que tenho um problema sério: quando gosto de alguma coisa, digo.

Assim, às claras, sem meias palavras, sem segundas intenções, sem esperar favores.

Há outros crimes que cometo: respondo email rápido, estou sempre de bom humor e, se posso, sempre topo um chopp com algum amigo.

Aparentemente, sou um disparate no mundo moderno: um cara boa praça. Na metrópole ranzinza, competitiva, dissimulada, mal-resolvida, isso é escandaloso.

Alguns dias atrás, numa mesa de bar, caí na besteira de elogiar o trabalho de um coleguinha cujo ego tinha o tamanho exato de um quarteirão. Só faltei ser linchado por um amigo que estava junto:

– Você devia ter mentido e dito que o trabalho dele era uma merda! – ele me reprovou.

E eu argumentei em vão, mas que diabos, quem sou eu para me meter a consertar o ego alheio.

Outro típico caso em que jamais se recomenda a polidez: o trato com algumas mulheres. Sobretudo com aquelas que não podem receber duas palavras de atenção e já se sentem no direito de desfilar soberba. Essas são as primeiras que risco da lista. Boicoto mesmo, impiedosamente, vá com Deus.

Odeio fazer ceninha e bancar o difícil. Ser um cara fácil é minha filosofia de vida.

Que nasceu provavelmente quando meu médico tomou nas mãos meus exames periódicos e alertou, tome jeito na vida, rapaz, estresse mata. E eu aparei minhas arestas para deixar a vida mais leve.

Uns peregrinos católicos já tentaram me convencer a fazer o caminho de Santiago de Compostela, e eu até achei encantador procurar a tranqüilidade nos verdes bosques espanhóis - mas que pena, meu caminho cotidiano é o da Marginal Pinheiros.

No meio desse trânsito infernal é que me ponho à prova, quando estou diante de apenas duas opções, relaxar ou cortar os pulsos.

Então escolho o bom humor. Mas não porque tenha um bom coração, ou porque seja um rapaz sonhador, ou porque acredite na bondade das pessoas. Aliás, detesto polianices, nada me irrita mais que essa inocência alienada que quer colorir o mundo de rosa-bebê.

Meu bom humor é antes uma arrogância confessa diante do mundo comezinho dos ranzinzas. Porque nada me soa mais medíocre que alguém que vive em torno do seu próprio umbigo. Ninguém me convence que tem maior valor quem é soberbo, dissimulado, mal-humorado.

Se pudesse, eu caminharia pelo ar a cinco metros desse mundo tosco. Carregado pelo vento e com os amigos à minha volta. Longe de aporrinhações e muitos palmos acima dessa gente boçal, que se limita a viver para infernizar a vida umas das outras.