Pálidas sombras v.1

... e eis que então vejo criadas, no branco da tela brilhante, como a faísca de uma pedra de isqueiro, pálidas sombras que dançam, ou nem sequer, porque lhes falta a coluna vertebral, sombras, apenas sombras, quiças mais pálidas que sombras, às quais lhes falta a costura da vida ou o fio da existência que afirma as criaturas, pois que criaturas não o são, digamos que são fantasmas, ou sombras, apenas isso assim isso, brancas sombras pálidas como o senhor sabe, sugestões de criaturas de gestos inconclusos e incomodados - incomodados? - pedaços de mãos e braços e sorrisos de manteiga quente sobre pão torrado, olhos verdes jadeantes e sabor açucarado no canto da boca, mojitos ou gim tônicas, olhos verdes verdes ou negros, pairando sobre o espaço sideral ou diante da estação de Angel ou Knightsbridge, as janelas semi-cerradas de Londres no inverno, pequenas mãos que se inclinam sobre a minúscula carteira de cigarros vermelha e branca, dez doze quinze anos se inclinaram em direção à carteira vermelha e branca, até pousarem veja você sobre o colo colo colo, colo branco de uma jovem russa em plena Shanghai, ou seria Hong Kong, agora é tarde tarde tarde, os fantasmas, as não criaturas, já se mexem no branco brilhante da tela do computador, portam cabelos, aqueles cabelos, que quando nasceram eram apenas os cabelos jogados de um jovem à beira-mar, um jovem que queria ser artista como o jovem escritor de rilke, mas que acabou como as vacas vacas que vinham da lua, desenhando gestos desenhando no ar, no ar bolhas de sabão, brancas sombras pálidas, o jardim selvagem e as orquídeas, orquídeas e cachorros que viam coisas nas galharias, no passado ou em parte nenhuma, pois fantasmas são apenas o que são, sombras brancas sombras, brancas sombras pálidas a rondar pelo escuro do quarto, o obscuro da mente, a claridez da tela, branca tela brilhante e brancas sombras pálidas e foscas de fantasmas a rondar a tela, os cabelos, olhos diminutos que procuram entender as legendas do filme, as mãos que desenhavam bolhas no ar e que demoraram quinze anos para alcançar, mas finalmente alcançar, concluir o gesto e alcançar, como uma faísca de pedra de isqueiro, aqueles cigarros, aqueles benditos cigarros que ficaram distante por cerca de quinze anos, quinze anos pôrra, para chegar aonde, para concluir o quê, brancas sombras que apenas brincam ao sopro de bochechudos ventos, liquefeitas e redondas, liquefazem-se e se arredondinham, como gotas salgadas do canal da mancha, pequenas pérolas foscas de vento Pharoa, em olhos redondos e azuis ou verdes ou castanhos ou de cor nenhuma, olhos pálidos diante da tela brilhante do computador, pálidos olhos brancos extasiados e vidrados a observar fantasmas que brincam e que brincaram e que brincarão por conta própria, soltos, livres, em busca de um branco, um tela branca, uma sombra branca e pálida pálida pálida fantasmagórica, pálida. Isto? Isto é uma casa assombrada, fuja.

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