A rima indispensável (v.1)

“Onde estará a distância entre a dor e a dádiva?”

Quando eu era adolescente, fiz esta pergunta em um conto que encontrei perdido em qualquer gaveta desarrumada.

Eu era um menino e achava que para escrever era preciso solidão. E confesso que escrevi: “a alegria irônica dos iconoclastas me parece efêmera e pouco profunda; já a dor, a dor é inalcançável”.

Eu achava que era preciso sofrer para transcender.

Poucas coisas eu sabia e sei, mas pelo menos desisti de acreditar num lugar onde o poeta entre desacompanhado e se inspire, num éden onde as palavras brinquem como borboletas para serem apanhadas pelo escritor.

Minhas certezas de adolescente foram ao chão, impiedosamente, quando veio minha primeira namorada. Eu amava mas sofria como um padre, que maravilha era gozar e acordar alquebrado no dia seguinte, mas vinha junto o martírio da alma, trepar era um prazer pequeno-burguês.

Mulher valente, aquela, nunca mais arrumo amor teimoso que resista aos meus arroubos de imaturidade, questionando diariamente o sentimento que eu recebia.

Sete anos se passaram antes que eu me convencesse, por escrito, que não, não há nada em amar que seja pequeno-burguês:

“Tudo é ficção, tudo é personagem, meu chapa, a começar do próprio autor”, me dei conta. E empenhei minha literatura em utilidades menos nobres, como escrever poemas de mau gosto para meninas de pilequinho nos bares da Vila Madalena.

Um poeta itinerante me disse numa noite dessas, “solidão é suportar viver neste mundo vazio”, e eu respondi, “que haverá de tão misterioso no seu universo solitário, poeta, que eu não encontre neste meu, tão mundano e tão ordinário?”

Mas ele apenas me olhava, e eu o corrigi:

– Vazios são os estômagos.

Pão, poeta. É disso que o mundo precisa. Pão-tesão-chão-ereção.

As rimas mais óbvias ainda são as únicas indispensáveis.

08/04/2005

Veja também: A rima indispensável