A orquídea v.2

29.05.06

E diabo da orquídea que floresceu novamente na minha sacada! Surpreendeu-me desavisado bem no meio do inverno, com suas pétalas enormes, arreganhadas, gotejando sardas lilases pela superfície branquela.

E eu, que já me perguntava se não era o caso de dar cabo dela. Fechei às pressas a janela de correr da sala de estar e deixei-a sozinha lá fora, exposta aos ares do inverno brumoso e – pior – pluviométrico. Cinzento como aquele em que Lala me estendeu o vaso embrulhado em tom pastéis, e me disse:

- Espere a primavera.

Depositei carinhosamente o vaso com a areia escura ao lado da janela e esperei até o primeiro copo rosado aparecer em seu ninho branco-leitoso. A orquídea desabrochou em um par de semanas, enquanto o sol colhia o frio que sobrava pelos cantos da casa. Uma luz de primavera lambia meus lençóis brancos e os travesseiros, esgueirava-se entre as persianas para dentro do quarto-estufa onde eu cultivava outra espécie de pequena formosura.

“Sou como uma flor de asfalto”, Lala me disse certa vez, estendendo-me uma longa vereda para seus olhos castanho-claros. Inclinei-me para frente, fascinado como menino hipnotizado pelo efeito ótico do caleidoscópio, olhando através daquelas pupilas desabrochadas. Pupilas de babado, como begônias verde-castanhas.

Ora, mas isto foi outro dia. Não estará muito cedo para esta orquídea florescer? Ou talvez meu desajeito com as plantas tenha obrigado esta a desenvolver uma resistência sobre-humana, ou pelo menos supravegetal, se é que existe, em todo caso esta orquídea sobreviveu à árdua seleção da própria natureza.

Se soubesse, nunca teria lhe adubado a terra e reforçado os caules, em uma dessas ocasiões em que cheguei em casa e exibi meus recém-comprados cortadores e rastelos. E se plantássemos hibiscos na sacada?

Como flor, Lala era um ciclo, primavera-verão-outono-inverno. No verão ela agarrou-me pelo braço e levou-me ao Jardim Botânico. Ali sobre uma pedra abriu os braços e lançou-me outro olhar de begônia, te amo. O sol em minhas pernas alimentava impronunciáveis desejos, naquele dia comprei-lhe um grande arranjo de girassóis que ouviam interessados nossas rasgadas declarações.

E pronto, certo dia Lala encerrou seu ciclo, seu ano sem outono sem nada, saltando direto do verão ao inverno como quem dorme e acorda.

“Nunca olvidaré el amor que nació de una flor”, repetia Omara Portuondo por aquelas madrugadas, uma voz de seda que aquecia como cachecol. E Lala que apertava minha cabeça contra seu peito, como um jardineiro a sulcar a terra entre meus cabelos, a certificar-se de que não havia espinhos.

No verão, Lala agarrou-me pelo braço e levou-me ao Jardim Botânico. Ali, sobre uma pedra abriu os braços e lançou-me outro olhar de begônia. Retribui-lhe com o apetite de uma planta carnívora.

Naquele dia comprei-lhe um grande arranjo de girassóis que ouviam interessados nossas rasgadas declarações.


Olhar de begônia (curiosidades sobre as flores, plantas, begônias).
Passeios na floricultura.
Dança.
Omara Portuondo.
Degringolar. Passeio de carro.



E Lala que apertava minha cabeça contra seu peito, como um jardineiro a sulcar a terra entre meus cabelos, a certificar-se de que não havia espinhos.

Se soubesse, nunca teria lhe adubado a terra e reforçado os caules, em uma dessas ocasiões em que cheguei em casa e exibi meus recém-comprados cortadores e rastelos, e se plantássemos hibiscos na sacada?

E pronto, certo dia Lala encerrou seu ciclo, seu ano sem outono sem nada, saltando direto do verão ao inverno como quem alguém que chega em casa cansado e apaga.

, estou cansada, e se fizéssemos uma viagem de carro?

Mais: A orquídea (v.1), A orquídea selvagem (v.3) e A orquídea selvagem.